21 maio 2010






Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.

Alberto Caeiro

14 maio 2010

Medo de Amar


Eu ontem vi-te...
Andava a luz
do teu olhar,
que me seduz,
a divagar
em torno de mim.

E então pedi-te,
não que me olhasses,
mas que afastasses,
um poucochinho,
do meu caminho,
um tal fulgor.

De medo, amor,
que me cegasse,
me deslumbrasse
fulgor assim.

Ângelo de Lima



09 maio 2010

Para ti




E quando eu estiver
Triste
Simplesmente
Me abrace
E quando eu estiver
Louco
Subitamente
Se afaste
E quando eu estiver
Fogo
Suavemente
Se encaixe...

E quando eu estiver
Triste
Simplesmente
Me abrace
E quando eu estiver
Louco
Subitamente
Se afaste
E quando eu estiver
Bobo
Sutilmente
Disfarce...

Mas quando eu estiver
Morto
Suplico que não me mate não
Dentro de ti
Dentro de ti...

Mesmo que o mundo
Acabe enfim
Dentro de tudo
Que cabe em ti

07 maio 2010

Arrebatamento




AQUI: FAZER-TE
Foder amor.

Nem foder
nem fazer amor –
foder amor

Foder-te como a mais puta das putas
e amar-te como a mais única das amadas.
Foder amor.


Chamar-te puta e dizer-te amo-te,
espancar-te o sexo e afagar-te o beijo.
Ser ...o doce e a fera -
a treva e o raio.

Foder amor.

E só assim, entre um grito e um afago, foder-te com amor:
fazer-te amor.


Pedro Chagas Freitas 

03 maio 2010

Shiuuu



O marido da Sofia teve de se ausentar de Portugal por uns dias, o que permitiu que nós combinássemos um programa. Surpreendi-a com dois bilhetes para um concerto de final de tarde na Gulbenkian e combinámos jantar cedo em Lisboa sem planos concretos para depois. Quando estamos os dois, agimos com tanta naturalidade, somos tão nós, que até nos esquecemos que somos amantes.

No final do jantar entrou no restaurante o João, um ex-colega da clínica que não víamos desde o jantar de despedida do Francisco. Ficámos tão constrangidos com a situação que, descaradamente convidei-o a sentar-se à nossa mesa. Quando pediu mais uma garrafa de champanhe, não sei porquê, senti-me coagido por esse gesto. Foi como se tivesse de partilhar o segredo, numa atitude de  pagar o seu sigilo. Divorciado, estava mais magro, mas continuava com a boa disposição que o caracteriza. O João é um tipo inteligente, que está de bem com a vida, tem um sentido de humor refinado e por isso o tempo foi passando sem darmos por isso.

Sabia de antemão que me iria arrepender de o convidar a sentar-se. É o tipo de pessoa por quem a Sofia se deixa seduzir. Não demorou muito até que um certo ciúme tomasse conta de mim, pois a química entre eles era inquestionável. Trocavam o olhar e tocavam-se como se isso não os satisfizesse. Fingindo-me distraído, vi-o debruçar-se sobre ela, num movimento lento e prolongado.  O tempo abrandou naquele momento. Irritou-me que ela não se desviasse quando ele quase a beijou na boca.

Que lhe terá segredado na despedida?


28 abril 2010

A tua metade





Às vezes apanho o Pedro distraído e fico a olhar para ele. 
É bonito, penso. 
Não sei precisar o início da nossa guerra. 
Não sei dizer ao certo há quanto tempo isto dura... se dois, três, cinco, sete anos? 
O que posso dizer é que ele nunca desistiu de conquistar o meu amor. 
Acredita que sou a metade da sua laranja. 
Devia estar grata por ter um amor como o dele. 
Porque sei que é raro ter um amor assim. 
E no entanto declarei-lhe guerra. Tenho medo.
Sou injusta? Talvez. 
Ele dá-me mais a mim do que eu a ele? É possível, não sei. Só ele poderá dizer.
Está lá quando é preciso, e tenta dar-me espaço sempre que pressente que me falta o ar. Dá-me forças para enfrentar o dia-a-dia. 
É bom acordar e pensar que, não tarda, estará a meu lado. 
Quando não está sinto uma dor no peito. Uma dor tipo “A”.
Há dias que quase me permito convençer que o amo.
Perco a força para continuar a lutar pelo meu casamento.
Mas existem momentos em que não consigo disfarçar e só me apetece correr para ele, abraçá-lo, beijá-lo e dizer que o amo verdadeiramente. E não o posso fazer. 
Não gosto de lhe aumentar o ego. 
Mas não é só por isso. Não gosto de falar dos meus sentimentos. 
Só que o Pedro consegue captá-los nos gestos, nos olhares, nos pensamentos, no silêncio.
Enfrento uma luta interior constante para não pensar que é com ele que quero estar e largar tudo.
Será que ele sabe?

Quando tento convencer o Pedro de certas coisas, estarei a convencê-lo a ele ou a mim?



21 abril 2010

A mulher do outro




A melhor amiga dela fez anos e convidou-nos aos dois para jantar no sábado. Chama-se Cristina. Trabalhou connosco há cerca de cinco anos atrás. Ela e a Margarida (que também vai ao jantar) são as pessoas que estão a par de toda a situação. Conhecem o marido da Sofia, mas sabem da minha existência. Acho que a Sofia lhes conta tudo sobre nós.

Foi impressionante a ginástica acrobática praticada para eu poder ir a esse jantar. A estratégia incluía, certificar que o Miguel não estaria presente, (ou melhor, ele nem seria convidado) e por outro lado, tirar “o cavalinho da chuva” ao Alberto,  cuja presença seria inconveniente. A Margarida lá conseguiu arranjar maneira de impedir que o marido fosse ao jantar. Teve a desculpa dos miúdos. A Sofia teve de garantir que o Miguel se iria naturalmente aborrecer, já que o jantar eram só mulheres. Faz de conta...

Para não variar, fui dos primeiros a chegar. Só lá estava a Cristina e uma amiga que eu não conhecia, mas que não perdeu tempo a tentar convencer-me a tornar-se minha gestora de conta. Ficou bastante impressionada com a quantidade de bens (ou melhor, empréstimos) que eu possuía e algo excitada quando lhe falei da casa do Algarve (não chegou a perceber que tudo aquilo pertencia à minha sogra). Tirando a aniversariante e a prima da Sofia, não conhecia mais ninguém (nem queria); não foi isso que me levou ali. Mas a ansiedade até que a Sofia chegasse era tal que, expectante, devo ter despertado o meu lado social para disfarçar o nervosismo.

Chegou com a Margarida. Vinha deslumbrante. Tinha ido ao cabeleireiro e renovou o visual. Surpreendeu todos e a mim em particular pois apareceu com cabelo castanho. Fiz um esforço sobre-humano para não suscitar quaisquer suspeitas. Achava eu. Mas durante o jantar, ela sussurrou-me: controla-te…, enquanto me molhou secretamente a orelha.  

Apeteceu-me gritar: - A Sofia é a minha mulher

Mas não é.

20 abril 2010

8 horas




Ao longo da minha vida tive várias mulheres e, na maior parte das vezes, serviam apenas para me satisfazer, sendo o prazer delas remetido ao esquecimento. Com a Sofia é diferente. Fazer amor com ela é parar o mundo e o tempo. É divino. Preocupo-me com o que ela gosta. Estou atento às suas fantasias. Desvendo as suas zonas mais sensíveis. Desfruto do seu cheiro. Perco-me na sua pele. Não tenho pressa e gasto cada minuto a sentir o prazer no seu corpo. Esse prazer que nunca tive com mais ninguém.

Encaixamos um no outro como se de um único ser se tratasse. O único problema é que precisamos de pelo menos oito horas, o que torna os nossos encontros amorosos deveras escassos. Perdemo-nos em beijos e carícias. Divagamos sobre nós, a vida, os filhos, falamos dos amigos, da chuva, do sol, da forma das nuvens. Rimos. Comemos. Abraçamo-nos, e ficamos em silêncio, na tentativa de compensar o vazio que sentimos, a angústia de não nos termos.

Mas na cama, como em tudo, nunca nada nos chega. Somos dois corpos em alvoroço. Duas mentes em efervescência constante. Queremos sempre ir mais longe.Queremos sempre mais.

No auge da excitação de um desses encontros, no êxtase do momento, desejou que ali estivesse outro homem. E murmurou-o baixinho. Não sei se por não compreender o que dizia ou não querer crer no que ouvira, a ideia repugnou-me. Imaginar a presença de um homem no meio de nós causou uma sensação no mínimo constrangedora.

Porém a mente leva-nos por caminhos misteriosos. E se é verdade que não desejo partilhá-la, não posso negar que esse devaneio me causa um misto de excitação e irritação. Tantas vezes a imagino com outros que compactuar com o segredo revelado aguça a minha curiosidade.

17 abril 2010

Mãe Sofia


A Sofia é uma pessoa excepcional. Fala com o director do hospital ou com a senhora da limpeza da mesma forma e com o mesmo encanto. Logo, para além do chefe e do primo, ainda levo com uma série de pessoas que querem estar com ela, limitando ainda mais as possibilidades de estarmos a sós. 

Já para não referir o marido, elo mais forte da nossa condição. Minto, o elo mais forte é mesmo os seus 3 filhos.

Às vezes penso que se ela não tivesse filhos as coisas seriam tão diferentes…


À mesa com ela




Chegou o dia do jantar de despedida de um colega! Uma daquelas raríssimas ocasiões em que conseguimos sair juntos à noite. O único problema é o Alberto, casado com a única prima da Sofia. Para além do parentesco que obriga o Alberto a fazer parte da família dela, agora trabalham no mesmo piso, o que dificulta bastante a nossa existência como amantes.

Como se não bastasse o constante assédio por parte do chefe dela (que além de ser espanhol acha que pode fazer e dizer aquilo que lhe vier à cabeça como se dono dela se tratasse), debatemo-nos com o facto de ter que andar a despistar ou a fugir do Alberto para conseguirmos estar a dois. Habituou-se à ideia de tomar café e almoçar connosco todos os dias no refeitório, e agora nada podemos fazer para lhe tirar isso da cabeça.

Saímos directos do hospital para o restaurante onde iria decorrer o tal jantar de despedida do Francisco. Pessoa distinta no nosso grupo de trabalho que nos fazia assumir as nossas funções e responsabilidades de uma forma única. Porque o respeitávamos, não quisemos faltar. Chegámos juntos. O Alberto estava sentado e simpaticamente guardara dois lugares ao seu lado, que eu teimei em ignorar. Mas a alternativa recaía nas cadeiras próximas do chefe da Sofia. Irritado, dei o prazer ao primo. Durante o jantar as nossas pernas tocaram-se várias vezes. Pude sentir o seu corpo, a sua pele, a sua temperatura sem que ninguém desse conta. Um dos grandes prazeres que tenho por estar sentado a seu lado.

Olhámo-nos. Ambos sabíamos que não era ali que queríamos estar. Sabíamos também que poderíamos sair dali e aproveitar para estarmos um pouco os dois antes de voltar, cada um a sua casa. Só teríamos de despistar o Alberto, que não é tarefa fácil pois o rapaz havia de teimar, mais uma vez, em escoltar a prima até casa. Às vezes, quando já não aguento mais, sou bruto com ele e depois levo com a Sofia porque o coitadinho do Alberto ficou sentido. Chiça!


14 abril 2010

Odeio Pic-Nics



Saímos do stress do hospital à hora de almoço e fomos dar uma volta. Doía-lhe a cabeça e permaneceu de olhos fechados o tempo todo. 

- Estou cheia de fome mas não me apetece comer... sabes como é?- perguntou.  Melhor que ninguém, pensei... e sorri-lhe. Acabei por entrar no supermercado mais próximo para improvisarmos um pic-nic num sítio calmo. Percorri algumas ruas sem rumo certo e acabei por estacionar perto de um cemitério. 
- A Raquel tinha razão quando falava da paz e do silêncio que ali se respira, disse ela. Concordei.

Quando abriu os olhos uma orgia de flores do campo abraçou-a. Mas haviam umas cor-de-laranja que eram diferentes. Quis tocá-las. Parei o carro. Observei-a com um sorriso parvo, enquanto ela colhia distraída um molho de flores silvestres.  Escolhi o pão que mais gosta, barrei-o com queijo, duas fatias de Salmão e finalizei com umas folhas de rúcula. Depois atei o ramo como pude, estava lindo como ela. Mais tarde viria a descobrir que eram Papoilas Douradas da Califórnia. 

Sentámo-nos à beira da estrada, de onde se avistava o palácio de Sintra. Não falámos, apesar de ambos termos escutado as "Dunas" no rádio do carro. Não era importante. Quando estou com a Sofia todas as músicas me parecem apropriadas. Olhei-a e disse que a amava. Esperei. Ela pôs um ar desprendido e disse: 
- A ti não sei, mas a mim está a saber-me lindamente.   

Beijo




Ontem foi dia do beijo.
Por isso não houve tempo para um novo post. 
Estive muito ocupada.
A beijar e a ser beijada.
Beijámo-nos muito.
E o mais gostoso dos beijos sabem qual foi?
Aquele que foi trocado mil vezes com os olhos antes de chegar à boca.
Esse... foi demais...



21 março 2010

Vermelhas, por favor

 

Silent-Order

Ainda tenho de passar na florista das Amoreiras.
Hoje mesmo, sem falta.
As tulipas vermelhas simbolizam o amor e podem estimular o bom Feng Shui nos relacionamentos.
Mesmo o que eu estou a precisar...
Acreditar que isto pode melhorar.


Primavera



 www.olhares.com

De manhã fui à janela e reparei na amendoeira em flor. Sorri-lhe serena. 
Nem com a chuva a natureza se deixa enganar, pensei.
Considerada a época do ano mais favorável para novos começos, a primavera representa o florescimento da fauna e da flora. 
No Hemisfério Norte começa a 21 de março (no equinócio) e termina a 21 de junho (no solstício). 
Do ponto de vista da Astronomia, no dia do equinócio o dia e a noite têm a mesma duração. A cada dia que passa, o dia aumenta e a noite vai encurtando, aumentando a insulação do hemisfério respectivo.
É interessante. 
Só ainda não percebi se isso é bom para nós...


Passagem



Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém...


Kay Sage, Le Passage, 1956 

Sol e Lua



Existem lendas associadas ao encontro do Sol e da Lua com origem na China, no México, na Guatemala,  no Egipto, na Roma antiga etc. Umas falam de um amor impossível, outras de um castigo divino que os condenou a viverem separados, e até há as que os consideram irmãos. Pessoalmente gosto da versão dos esquimós, segundo os quais o eclipse provém dos escassos encontros entre ambos. Um dia falei disso ao Pedro. E mostrei-lhe esta:

Quando o Sol e a Lua se encontraram pela primeira vez, apaixonaram perdidamente e a partir daí começaram a viver um grande amor. Acontece que o mundo ainda não existia e no dia que Deus resolveu criá-lo, deu-lhes então o toque final ... o brilho! Ficou decidido também que o Sol iluminaria o dia e que a Lua iluminaria a noite, sendo assim, seriam obrigados a viver separados.

Abateu-se sobre eles uma grande tristeza quando tomaram conhecimento de que nunca mais se encontrariam. A Lua foi ficando cada vez mais amargurada e, mesmo com o brilho que Deus lhe havia dado, foi se tornando solitária. O Sol por sua vez havia ganho um título de nobreza "ASTRO REI" , mas isso também não o fez feliz.

Deus então chamou-os e explicou-lhes : - Vocês não devem ficar tristes, ambos agora já possuem um brilho próprio. Você Lua, iluminará as noites frias e quentes, encantará os enamorados e será diversas vezes motivo de poesias. Quanto a você Sol, sustentará esse título porque será o mais importante dos astros, iluminará a terra durante o dia, fornecerá calor para o ser humano e a sua simples presença fará as pessoas mais felizes.

A Lua entristeceu-se muito com seu terrível destino e chorou dias a fio... já o Sol ao vê-la sofrer tanto, decidiu que não poderia deixar-se abater pois teria que lhe dar forças e ajudá-la a aceitar o que havia sido decidido por Deus.

Mas a sua preocupação era tão grande que  o Sol resolveu fazer um pedido: - Senhor, ajude a Lua por favor, ela é mais frágil do que eu, não suportará a solidão... E Deus na sua imensa bondade criou então as estrelas para lhe fazerem companhia. Sempre que está triste a Lua recorre às estrelas que fazem de tudo para consolá-la, mas quase sempre não conseguem.

Hoje eles vivem assim .. separados, o Sol finge que é feliz, a Lua não consegue esconder que é triste. O Sol ainda esquenta de paixão pela Lua e ela ainda vive na escuridão da saudade.

Dizem que a ordem de Deus era que a Lua deveria ser sempre cheia e luminosa, mas ela não consegue isso. Ela é mulher, e uma mulher tem fases. Quando feliz consegue ser cheia, mas quando infeliz é minguante e quando minguante nem sequer é possível ver o seu brilho.

Lua e Sol seguem seu destino, ele solitário mas forte, ela acompanhada das estrelas, mas fraca.  Acontece que Deus decidiu que nenhum amor nesse mundo seria de todo impossível, nem mesmo o da Lua e do Sol ... e foi aí então que ele criou o eclipse! Hoje Sol e Lua vivem da espera desse instante, desses raros momentos que lhes foram concedidos e que custam tanto a acontecer. 

 Max Ernst, Of This Men Shall Know Nothing, 1923
 

Um dos mais enigmáticos trabalhos deste surrealista alemão e o único que conheço que representa simultaneamente os diagramas do eclipse Solar e Lunar.